Por Valter Nascimento

“O sucesso é ir de fracasso em fracasso sem perder entusiasmo.”

Winston Churchill

Estamos vivendo a Era Dourada do empreendedorismo. Nunca antes na história tantas pessoas abriram tantos negócios.

Até o boom da Internet o empreendedorismo era destinado a um grupo seleto de pessoas com acesso a capital e conhecimento. Não havia fluxo de informações, a concorrência era menor, os clientes não possuíam muitos meios para reclamar de um produto, as regras do jogo eram mais simples. Hoje ter uma ideia original já não é sinônimo de sucesso, os clientes se tornaram muito mais exigentes, a concorrência está em toda parte. Há mais oportunidades e também bem mais riscos.

Falando somente sobre o mercado brasileiro, segundo pesquisa da Folha cerca de 60% das startups não dão certo. É um número expressivo, que significa que no mercado da inovação o fracasso é bem maior do que se pensa. Isso desanima os empreendedores? Pelo contrário. É do estresse constante e da busca por novos caminhos que o mundo das startups é feito.

Mas se o risco é o alimento da arte de empreender, por que temos tanto medo dele? Por que tantas empresas morrem diante do primeiro contratempo?

Vamos abordar em 5 lições algumas ideias fundamentais não apenas sobre o sucesso, mas como os obstáculos podem nos ensinar a encontrar caminhos e tomar as decisões corretas.

1 – Aperfeiçoar ou mudar

Se há algo sobre o sucesso que ninguém diz é que ele é feito de muitos fracassos. A mídia está cheia de exemplos simplificados de sucesso, pessoas que começaram do nada e construíram impérios; o mito da empresa de garagem que alimenta a esperança de milhares de empreendedores em busca do pote dourado. Aos que não são tão bem-sucedidos resta o vazio das estatísticas. Decisões erradas, caminhos improdutivos, tudo isso é tirado de cena em nome de uma ideia mágica de realizações sem limites.

Não deveria ser assim.

Quando falamos das chances de fracasso de um negócio, seja de uma lojinha de bairro ou de uma startup global, caímos no dilema do pessimismo. “Empreendedores pensam grande”, “Empreendedores não possuem medo do fracasso” – é o que ouvimos com frequência. A própria palavra ‘fracasso’ é vista como tabu, quando na verdade deveria ser aceita e incorporada ao vocabulário empreendedor com um novo significado. Fracassos são oportunidades. Riscos são necessários. Obstáculos são parte do caminho. A regra fundamental do sucesso é que ele lida com o fracasso de maneira cognitiva e objetiva. Nem aceitando, nem recusando, mas compreendendo. Vamos analisar dois exemplos:

O caso The Muse

Kathryn Minshew, criadora do site de empregos americano The Muse, recebeu nada menos que 148 negativas de apoio ao seu projeto. O problema principal de seu projeto era sobre a relação legal entre as empresas que disponibilizariam suas vagas no site de Kathryn. Kathryn havia planejado minuciosamente seu plano de negócios, mas não contava com esse problema. Resultado: todo o projeto começou a desmoronar. A cada negativa Kathryn revezava-se entre, como ela mesma disse, “lamentar em posição fetal” ou encontrar novas soluções. Ela decidiu pela segunda opção. Cada recusa serviu para que o The Muse se tornasse em referência em vagas de trabalho e análise de perfis, fazendo de Kathryn uma das mais promissoras empreendedoras do ramo atualmente.

O caso HipSwap

Rob Kramer trabalhava como assessor político e acreditava que seu conhecimento na área seria o bastante para criar o PopRule, um site com as principais notícias políticas nos EUA. Parecia infalível. Kramer tinha larga experiência nos bastidores da Casa Branca, conhecia as pessoas certas, tinha um generoso aporte financeiro. Mas na prática o PopRule era obsoleto. Não recebeu a adesão necessária e sofreu com a concorrência de sites mais famosos. Diante de um fracasso estrondoso, Kramer passou a se perguntar sobre qual parte do processo de criação de uma empresa ele gostava mais. A resposta foi: todo o processo em si. Não importava muito que tipo de empresa ele criaria, no final as dificuldades seriam as mesmas, no final ele teria que lidar com um público exigente e fazer as conexões certas. Kramer aproveitou sua rede de contatos e conhecimento sobre pessoas para então criar o HipSwap, um site de vendas de produtos de luxo com enfoque em redes sociais avaliado hoje em 1.1 milhão de dólares.

O que esses dois exemplos mostram é que aceitar ou recusar o fracasso não são opções válidas quando se busca o sucesso. Aperfeiçoar ou mudar são as duas únicas opções plausíveis.

No caso do The Muse o problema não era a ideia, mas sua aplicabilidade. A cada negativa, e foram 148 no total, Kathryn Minshew aperfeiçoava o seu projeto. Cada recusa serviu-lhe como piloto de testes para uma nova versão de sua ideia. Ao final do processo Kathryn havia criado um projeto simplesmente tão bom que ninguém o poderia recusar. Não se trata aqui de um caso típico de persistência cega, onde se repete o mesmo erro esperando que em algum momento um milagre aconteça, mas de uma visão objetiva de compreensão de falhas e da capacidade de aperfeiçoar uma ideia boa em outra ainda melhor.

No caso do HipSwap temos uma mudança completa de direção. Essa não é uma decisão fácil, no caso de Rob Kramer era mudar de notícias políticas para bolsas e sapatos. Mas também não significou abandonar sua visão em nome do lucro. A ideia final não era a mesma, mas o background estava lá, intocado, aprimorado, pronto para ser aplicado em outro projeto com sucesso. Kramer aproveitou sua rede de contatos e experiência com as pessoas para mudar de vez sua ideia original e contornar um fracasso inesperado.

O medo do fracasso abre a porta para mais fracasso. O medo do erro cria erros ainda maiores. Quando abraçamos a imperfeição das coisas os problemas estruturais se convertem em questões de aprimoramento, não de desistência. Quando enfrentamos o erro ele se transforma em chance de crescimento. Somos confrontados com duas possibilidades: aprimorar ou mudar – jamais recuar.

2 – O obstáculo é o caminho

Quando falamos em empreender muitas coisas surgem em nossa cabeça. Executivos engravatados exibindo tabelas sem sentido, palestras motivacionais cheias de promessas, mania de grandeza ou síndrome de vira-lata. Para compreender melhor a dinâmica do mundo das empresas é importante saber sem floreios o que é empreender. De acordo com o dicionário Oxford, empreendedorismo é:

“A atividade de fazer dinheiro começando ou administrando negócios, especialmente quando isso envolve a tomada de riscos financeiros; é a habilidade de fazer isso.”

Esta definição simples nos coloca em contato com algumas ideias:

  • Fazer dinheiro.
  • Aceitar riscos.
  • Ter habilidade em fazer isso.

A parte que chama mais a atenção nessa equação é “Fazer dinheiro”. É para isso que empresas são abertas. A ideia de fazer dinheiro é também o que enche os auditórios das palestras que irão ensinar de modo prático como você vai ficar rico. O dinheiro é um farol que pode guiar ou cegar empreendedores. Startups lidam de maneira diferente com o dinheiro. Elas criam modelos com gastos cada vez mais reduzidos visando um lucro cada vez maior. Uma startup não pode dar-se ao luxo de se comportar como uma empresa comum e navegar por um longo período sem lucros. Startups são efêmeras, brilham muito, mas também queimam rápido.

A segunda coisa mais atraente é a ideia de “Ter habilidade para fazer isso”. Todo empreendedor confia, mesmo que imperfeitamente, em sua capacidade. É o mito do self made man,o empreendedor autossuficiente capaz de resolver os mais diversos problemas. Quando falamos em startups é preciso bem mais que boa vontade e confiança. Estamos dentro de um cenário de negócio que envolve múltiplas habilidades. Você possivelmente não dará conta de reunir todos esses atributos e se não estiver cercado pelas pessoas certas sua vocação não será suficiente para tira-lo do aperto. Entra em cena a verdadeira capacidade do empreendedor moderno: agregação. A capacidade de reunir em sua equipe pessoas competentes, dividir tarefas e delegar funções.

A parte quase sempre omitida da equação é “Aceitar riscos”. É essa a verdade que nenhum palestrante, guru ou mentor quer que você saiba inteiramente. A capacidade de lidar com os riscos é a chave para o sucesso, mais do que qualquer outra coisa.

Risco. Erro. Fracasso. As pessoas travam diante de palavras como essas. Evitam tarefas, recuam projetos, mudam de assunto. Tremem só de pensar nisso, afinal, falar em riscos atrai o azar. Mas quando conversamos com empreendedores de sucesso vemos que eles falam muito mais sobre riscos e erros do que sobre certezas e acertos. O risco parece ser, ao mesmo tempo, o foco de negócios de prosperam e a causa da morte dos negócios que fenecem.

O autor e empreendedor Ryan Holiday escreveu, em 2014, um pequeno e poderoso livro chamado O obstáculo é o caminho. Holiday sempre foi fascinado pelo universo das startups do Vale do Silício e percebeu que a maioria dos grandes nomes da tecnologia e do empreendedorismo seguia uma filosofia pessoal até então desconhecida: o estoicismo.

O estoicismo não é novo, ele existe há pelo menos 2500 anos. Foi utilizado por generais, imperadores e oradores da Roma antiga, foi adotado por pensadores e influenciadores em todos os séculos. Ao contrário das demais filosofias, acadêmicas e impraticáveis, o estoicismo prega uma visão objetiva da vida. Sua frase mais famosa foi criada pelo imperador romano Marco Aurélio no ano de 170 e nos fala muito sobre como devemos lidar com os obstáculos:

“O que impede a ação favorece a ação. O que fica no caminho torna-se o caminho.”

Para o estoicismo cada obstáculo oculta uma oportunidade de crescimento. E mais do que isso: cada novo passo, cada nova criação, depende de obstáculos para existir. Sem barreiras nossa vida seria sem sentido.

O mesmo se aplica ao mundo das startups. Qual o maior obstáculo quando pensamos em empresas? O risco. Ele é como uma grande pedra fincada no meio do caminho sobre a qual nenhum esforço parece surtir efeito. Por mais simples que seja o seu projeto, por mais certo que pareça o seu lucro, você sempre terá que lidar com o risco. Sempre. Ainda não inventaram um negócio no qual o risco não seja parte da equação.

Tudo pode acontecer. Um produto novo e melhor que o seu, funcionários insolentes, clientes insatisfeitos, fornecedores sem compromisso, catástrofes naturais ou econômicas. Para evitar esse pensamento incômodo criamos projetos detalhados, consultamos experts, pagamos a peso de ouro consultorias famosas, mas nada disso remove essa pedra do meio do caminho. Ela pode se parecer mais leve, menos difícil, mas sempre estará lá.

A diferença entre os empreendedores que alcançam seus objetivos e os que não alcançam é justamente a forma como eles lidam com essa incerteza. Empreendedores de sucesso não evitam o risco, mas correm atrás dele com pernas seguras e visão clara. Não se contentam em tentar prever os riscos, mas buscam compreender como os riscos se comportam dentro de uma total imprevisibilidade. O risco não é visto como algo que ‘pode acontecer’, mas como algo ‘necessário’. O risco não é um obstáculo no caminho, mas o caminho em si.

 3 – Condições de extrema incerteza

Para o empreendedor e escritor Eric Ries, autor do livro A startup enxuta, startups são diferentes de negócios tradicionais por lidarem com um nível insano de incertezas. Ou seja: elas estão expostas a mais obstáculos que uma empresa comum. Segundo Ries:

“Uma startup é uma instituição humana projetada para criar novos produtos e serviços sob condições de extrema incerteza.”

“Mas se o mundo do empreendedorismo depende da incerteza, todas as incertezas se comportam mais ou menos da mesma maneira, certo?” Não necessariamente. Há empresas que realmente operam num nível de desconcertante incerteza. Um exemplo:

O ano é 2007. Imagine que você queira passar as férias numa cidade litorânea e esteja com pouca grana. Você poderia ficar na casa de uma pessoa legal, que oferecesse um café da manhã caseiro, fugindo da experiência fria e impessoal de um hotel. Mas essa ideia, bucólica e original, deixa de ser tão boa quando você pensa nos problemas que isso acarretaria. Como saber se o seu anfitrião será uma pessoa confiável? Como saber se o quarto estará limpo, que a casa será bem localizada? Temos aqui uma necessidade (hospedagem barata e de qualidade) e as incertezas (o risco de que o lugar não seja tão bom assim).

Em 2008 o site Airbnb iniciou suas atividades tendo que lidar com esse cenário peculiar. Como garantir que pessoas comuns pudessem alugar suas casas de maneira segura e prática? O sucesso avassalador do Airbnb não se deve apenas a sua ideia original, mas ao modo como lidou com o obstáculo entre a ideia e a realização.

Não bastava criar um site de alugueis por temporada ­– o site Booking.com já existia e desde 2000 reunia em seu catálogo hotéis e propriedades particulares –, mas desenvolver um produto confiável. O desafio do Airbnb (que começou como um projeto local em São Francisco, apoiado por incubadoras locais) era fazer pessoas comuns confiarem em pessoas comuns. O risco envolvido era alto e ainda por cima compartilhado com os próprios clientes.

Para deixar de ser um projeto local o Airbnb teve que enfrentar níveis de riscos até então jamais experimentados por uma empresa de hospedagem. Envolvia pessoas sem experiência em hospitalidade e viajantes exigentes e desconfiados. Para isso a empresa criou uma plataforma simples e intuitiva, criou modelos de treinamento para os anfitriões e um sistema de resenhas confiável e sólido, tudo isso baseado num obstáculo quase intransponível.

Apesar de sua capacidade extraordinária de transformar obstáculos em pontes, o modelo do Airbnb não é perfeito. Com o crescimento apareceram problemas legais e países como Espanha e França tentam barrar o seu avanço. A empresa lida a todo momento com resenhas e experiências negativas, anfitriões despreparados e viajantes arredios. O Airbnb nunca deixou de lidar com riscos enormes, mas segmentou esses riscos e encontrou caminhos. É hoje uma das empresas que lidam com as condições de extrema incerteza da qual nos fala Eric Ries e se não fosse por isso, não estaríamos aqui falando dela.  

Como bem definiu Ryan Holiday:

“Não existe bom e mau sem nós, existe apenas percepção. Existe o acontecimento em si e a história que contamos a nós mesmos sobre o que ele significa.”

O Airbnb não removeu seus obstáculos do caminho, mas mudou a forma com os vê. Ele nunca deixou de ter grandes barreiras pela frente, mas também nunca deixou de pensar em soluções para transpor essas barreiras. Sem assumir tantos riscos o Airbnb seria apenas mais um site de hospedagem e não uma marca cativante e inspiradora.

4 – Comece com o que tem, onde está

Pense: os riscos estarão lá, independente do que você faça. Começar com pouco, no momento menos oportuno, pode não parecer o ideal, mas garante uma visão mais simplificada dos problemas que irão surgir. Grandes projetos, adiados eternamente, se tornam mais caros que projetos menores implementados desde já. A ideia de que os riscos serão minimizados com mais e mais projetos só abre portas para mais e mais riscos. Estabeleça um ponto de partida e comece. Como disse Eric Ries “lance e veja o que acontece”. Somente após o primeiro erro é que a sua empresa mostrará seu verdadeiro potencial, antes disso nada é solido, são apenas opiniões baseadas num pedaço de papel. Esta é uma posição de vencer ou vencer. Se der certo você venceu a primeira etapa, se der errado venceu do mesmo jeito, pois terá agora no que trabalhar para melhorar.

Uma startup deve descobrir a todo momento um modo sistemático para que as coisas certas possam se desenvolver. Por sistemático compreenda de modo contínuo e constante no tempo. Não há tempo para chorar o leite derramado. Errou? Corrija e aplique novamente. Errou de novo? Aprimore ainda mais e aplique mais uma vez. Lembre-se: aperfeiçoar ou mudar – jamais recuar.

Eric Ries considera a inovação como o centro de uma startup; e a inovação nasce do constante choque entre expectativa e realização. Não existe inovação em teoria, apenas na prática. Hoje praticamente todo tipo de produto pode ser criado, portanto a questão não é se você pode criar tal produto, mas se deve e quando. O conceito de produtos planejados de modo exaustivo, sendo lançados após anos de pesquisa e com grande pompa, está ficando cada vez mais ultrapassado. Invés disso a tendência é para a criação de miniprojetos imediatos e imperfeitos, que irão evoluir em produtos maiores. A necessidade guiará o seu projeto, a ação fará os ajustes. Mas é preciso começar agora.

Nunca é fácil começar. Quando olhamos o caminho inteiro a ser percorrido a reação natural é de protelar. “Amanhã será melhor” – é o que pensamos. Mas cada amanhã abre as portas para mais incertezas. Você não estará amanhã mais seguro do que hoje, adiar criará apenas mais variantes imprevisíveis e incontornáveis. Tudo depende de ação imediata e fragmentação de ideias.

Pense numa grande empresa. Ela estará sempre baseada sobre uma grande ideia. Facebook? Interação social. Google? Informação. Microsoft? Praticidade. Nenhuma delas construiu essas ideias em blocos indivisíveis e impraticáveis, mas em peças menores mais fáceis de gerir: os conceitos. Identifique, isole e teste esses conceitos separadamente. Reparta suas ideias em produtos menores, não ideais, mas capazes de serem testados. Não é preciso projetar infinitamente quando você subdivide produtos inacessíveis em ações efetivas. Uma ação real vale mais que mil sonhos impossíveis.

Um dos principais e mais marcantes produtos da Amazon, o leitor de e-books Kindle, nasceu da evolução de um conceito: como entregar livros cada vez mais rápido aos leitores?

Quando Jeff Bezos começou a vender livros, a ideia completa do Kindle não era viável, mas a sua fragmentação em ideias menores abriu caminho para que ele fosse possível. Primeiro a criação de um site competitivo, depois o redirecionamento do mercado de livros digitais para uma plataforma amigável. Só depois de compreender o mercado e a necessidade real de seus clientes é que o conceito de um leitor de livros digitais fez sentido.

Resumindo:

  • A ideia geral: Vender livros com entregas cada vez mais rápidas.
  • O conceito (subdivisão da ideia geral): criar um meio de leitura alternativo capaz de satisfazer o leitor.
  • O produto: Leitor de e-books Kindle.

O Kindle é a evolução de um conceito transformado em produto. Para isso foram necessários 10 anos, desde a fundação da Amazon até o lançamento da primeira geração do Kindle, mas claro, Bezos precisou começar com o que tinha e onde estava.   

5 – Aprenda com os clientes

Sua ideia de negócio não é sua. Ela foi pensada para outras pessoas que irão comprar o seu produto. É simples, mas também é fácil de esquecer. Empresas trabalham para clientes. Por mais única, pessoal e especial que seja sua ideia, ela deve ser também única, pessoal e especial para os seus clientes.

Podemos ter uma visão clara do nosso produto, compreender como ele se comporta, administrar (e abraçar) os riscos, mas tudo isso é em vão se não compreendermos que as mãos que tocarão o produto final não serão as nossas. Clientes nem sempre sabem o que querem, empresas nem sempre sabem o que clientes querem. Tudo nasce da observação meticulosa do jogo entre criar e saber vender ideias.

Um grande problema para as empresas que começam a criar novos produtos é confundir o cliente como obstáculo. Clientes não são as pedras no caminho, mas o destino em si. Quando num projeto que erra por problemas de aceitação do cliente a questão não é o cliente, mas o projeto em si. O que aprimora a vida de um projeto é sua constante relação com o cliente. Ele deve ser parte do processo de criação, não apenas um indivíduo que irá julgar o que você faz.

Mais uma vez falando da Amazon, parte do seu sucesso como varejista (ostentando o título de “a maior loja do mundo”), se resume ao modo como a empresa testa seus produtos e ouve seus clientes. Brad Stone, autor do livro A loja de tudo: Jeff Bezos e a era Amazon, classificou a Amazon com um grande laboratório de testes, com lojas dos mais diferentes ramos, indo de roupas, livros, eletrônicos, até serviços de streaming e agora alimentos. Tudo isso é ancorado na experiência do cliente. Clientes resenham livros, sugerem novas sessões na loja virtual, participam ativamente de tudo o que a Amazon lança. E o que quer o cliente Amazon? Simplesmente tudo. Todo tipo de produto dentro do mesmo lugar. Não é pouca coisa! Imagine o quão complicado é gerir a opinião de milhões de pessoas no mundo todo sobre todo tipo de produto. E é justamente isso que a Amazon faz.

A relação da Amazon com seus clientes chegou ao ponto da criação do impensável. Ao ouvir seus clientes sobre o que eles queriam, a Amazon deparou-se com uma desafiadora demanda: os clientes queriam comprar de modo cada vez mais rápido, sem gargalos de tempo. E o que seria mais rápido que uma loja na qual você poderia simplesmente entrar, colocar seus produtos num carrinho e sair? Sem caixas, sem filas, sem demoras.

Pensando nisso foi criada a Amazon Go, lojas nas quais o cliente possui total autonomia, não dependendo de caixas ou outros funcionários para realizar suas compras. O modelo da Amazon Go é tão baseado na confiabilidade com o cliente que basta se cadastrar, pegar um produto e sair – a cobrança é feita remotamente. Este não é só um produto inovador, mas a prova de que o cliente é quem faz a mágica acontecer. Qualquer outra empresa teria engavetado esse pedido e pensado em outras soluções, afinal, o custo da criação de uma loja assim seria alto e a incerteza diante do comportamento do cliente ainda maior. Mas para a Amazon tudo é teste e o cliente é parte ativa deste todo.

A sala de teste de um produto não deve ser o escritório de sua empresa, mas a casa do cliente.Se o cliente ficar satisfeito você fez bem o seu trabalho. Se não ficar, comece a pensar no novo produto que irá satisfazer aquela necessidade.

Conclusão

Quando analisamos o mercado das startups, fica claro que riscos e obstáculos são mais comuns do que os sucessos e rios de dinheiro. Está em jogo uma mudança de pensamento alavancada por nomes como Eric Ries e Ryan Holiday, autores-empreendedores que enxergaram um padrão dentro do caos das startups.

Quando nos perguntamos o motivo pelo qual muitos projetos funcionam bem no papel e morrem na prática, percebemos que o problema não é a vontade de criar, preparo técnico ou boas ideias. A maioria das startups morre diante dos obstáculos por causa da forma como elas veem os riscos. A minoria das startups triunfa também pelo mesmo motivo. Tudo se resume ao modo como vemos os obstáculos. A chave não é reinventar a roda dos negócios, seguindo fórmulas milagrosas, mas em mudar nossa forma como vemos o fracasso, como usamos as barreiras para criar caminhos alternativos.

O maior obstáculo de uma empresa é o risco. Empresas de sucesso aceitam os riscos de maneira incondicional. Empresas que fracassam completamente são engolidas pelo medo e por decisões erradas.

Quando mudamos nossa forma de ver os obstáculos, não apenas estamos agindo de acordo com uma filosofia antiga e poderosa, o estoicismo, que mudou para melhor a visão de homens e mulheres ao longo dos séculos; mas agimos de acordo com a vanguarda do pensamento inovador. A inovação aceita os riscos e transforma os obstáculos em caminhos para o sucesso.

Este não é um caminho fácil nem previsível, mas é o único caminho para os que trabalham firme e forte – já dizia o imperador Marco Aurélio, propagador do estoicismo e, de certo modo, CEO da maior empresa que já existiu sobre a Terra, o Império Romano.

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